16.12.13

Da religião ao bereguedê: a variação do significado da palavra pagode e uma breve história de um dos ritmos mais populares do Brasil.


A palavra pagode designa local religioso em diversos países orientais como China, Mianmar, Japão, Coréia, Nepal etc. Estão situados dentro ou próximo de templos, na maioria budista. No Vietnã, significa local de trabalho, portanto, lá, ir ao pagode é trabalhar e ironicamente, para muitos, pagode não tem nada a ver com o trabalho né.
Acredita-se que o desenho original dos pagodes tenha nascido entre os Newar do Vale de Catmandu, no Nepal. A partir de então, essa estrutura arquitetônica espalhou-se pela Ásia, adquirindo diversas formas à medida que detalhes específicos de cada região iam sendo incorporados ao modelo original.
Pagodes costumam atrair raios devido à altura. Essa tendência fez com que as pessoas vissem os pagodes como lugares carregados espiritualmente. Muitos deles têm uma antena no topo, conhecida como "finial", que tem valor simbólico dentro do budismo: por exemplo, ela pode conter formas representando um lótus. O finial também funciona como um para-raios, protegendo o pagode de possíveis danos que os raios possam causar.

Pagode Shwe Dagon, em Mianmar
A procedência da palavra "pagode" é incerta, com diferentes fontes afirmando diferentes derivações. A primeira aparição da palavra no inglês, de acordo com o Dicionário Oxford, data de 1634.
De acordo com o Dictionnaire Historique de La Langue Française, de Alain Rey, a palavra apareceu pela primeira vez no francês como "pagode", em 1545, significando "templo de uma religião oriental", sendo ela derivada de igual palavra do português, datada de 1516. A derivação é hipotética. Possíveis raízes podem ser do dravidiano pagodi ou pagavadi, de um dos nomes de Kali derivado do sânscrito bhagavati ("deusa"), e do persa butkada ("templo").
De acordo com A Pictorial History of Chinese Architecture a palavra "pagode" deriva do chinês 八角塔 (em pinyin, bā jiǎo tǎ), significando literalmente "torre de oito cantos". Pagodes com base octogonal eram muito populares durante o final da Dinastia Ming e o início da Dinastia Qing, período em que os europeus mantiveram contato com os chineses.
Do oriente para o ocidente e do budismo para as religiões africanas. No meio do século XIX, o termo passou a designar reuniões para se compartilhar amizades, música, comida e bebida. Com a abolição da escravatura e fixação dos negros libertos no Rio de Janeiro, o pagode se consolidou a partir do século XX como uma necessidade de compartilhar e construir identidade de um povo recém-liberto, e que precisa dar outra função ao corpo que até então é somente instrumento de trabalho.
Já na década de 1970 o termo estava muito associado a festas em casas, geralmente nos fundos de quintais, e quadras dos subúrbios cariocas e de favelas e nos calçadões de bares do Centro do Rio, regadas a bebida e com muito samba.
O pagode, como manifestação cultural, apareceu nos meios de comunicação somente em 1978, quando a cantora Beth Carvalho foi visitar a quadra do Cacique de Ramos, um bloco carnavalesco do bairro de Ramos, no subúrbio carioca. O bloco era uma popular reduto de sambistas anônimos e jogadores de futebol, que se reuniam aos finais de semana. Lá Beth conheceu o grupo Fundo de Quintal, que tinha entre um de seus vocalistas Almir Guineto, ex-diretor de bateria da escola de samba Unidos do Salgueiro.
O Fundo de Quintal fazia um samba diferente, misturado com outros ritmos africanos não tão difundidos e que tinha uma sonoridade nova, com a introdução de instrumentos como banjo com braço de cavaquinho (criado por Almir Guineto) e o repique de mão (criado pelo músico Ubirany) e a substituição do surdo pelo tantã (criado pelo músico e compositor Sereno).
Beth gostou daquele samba feito no Cacique de Ramos e começou a gravar composições desses novos sambistas, ajudando a revelar nomes como Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Almir Guineto e o próprio Fundo de Quintal.
No final daquela década, nasceria uma nova vertente dentro do pagode, que se popularizaria na década seguinte. Estimuladas por necessidades comerciais, a indústria fonográfica modificou a gravação de pagodes com uma roupagem mais "adocicada" tanto na letra, mas principalmente na harmonia, que ficou bastante modificada pelos constantes acordes sintetizados dos teclados eletrônicos, trazendo uma vibe pop as composições. Foi o caso do sucesso "Parabéns Pra Você", do Grupo Fundo de Quintal.
Ao mesmo tempo, surgiam grupos, principalmente que começaram a adaptar coreografias e roupas de conjuntos vocais estadunidenses (como The Temptations, The Stylistics, Take 6) sob uma base rítmica próxima ao pagode como se conhecia até então, mas completamente diferentemente dos trabalhos vistos até então.
The Temptations - My Girl
Negritude Jr. - Beijo Geladinho

As gravadoras apostaram com força nessa vertente mais "açucarada" de pagode injetada por letras românticas e instrumentos eletrônicos, pois viam nesse novo pagode um grande potencial para ser tocado em grandes concertos e competir com os artistas sertanejos populares, naquele momento.
 A partir dessas modificações, nasceu o pagode romântico, um estilo de pagode muito distante de suas originais feições, que se tornou tão ou mais popular do que aquele pagode inicial.

15.12.13

Zeca Sambinha?

Por que Jessé Gomes da Silva Filho é o famoso Zeca Pagodinho se começou a sua carreira e até hoje é sucesso cantando samba? O que é samba e o que é pagode? Quais as semelhanças? E as diferenças?

O contato de Zeca com a música começou, por influência da família, nas rodas de samba. No início, suas amizades musicais eram todas ligadas ao samba, como Sérvula, Dorina, Paulão Sete Cordas, Monarco, Mauro Diniz, Almir Guineto, Bira Presidente, Beto Sem Braço e Arlindo Cruz. Além disso, era frequentador das rodas de samba do Cacique de Ramos.
 
Em 1983, gravou a sua primeira música de sucesso, em parceria com a sambista Beth Carvalho. Beth já era conhecida nacionalmente, mas, assim como Zeca, teve seu início nas rodas do Cacique. A música que gravaram era um samba – "Camarão que dorme a onda leva". 


Dentre muitos sambas compostos, Zeca já homenageou o samba de gafieira e gravou CD's chamados "Um dos Poetas do Samba", "Samba pras Moças" e "Cidade do Samba". A sua música "Deixa a Vida me Levar", tema do pentacampeonato do Brasil na Copa do Mundo de 2002, garantiu ao cantor o Grammy de "Melhor Álbum de Samba". 


Outra questão intrigante é por que o grupo Exaltasamba, criado em 1986 e extinto em 2012, tem samba no nome se canta pagode? Formado por pagodeiros, o Exaltasamba tem na sua essência cantar pagode. Apesar dos CD's "Todos os Sambas ao Vivo" e "Roda de Samba do Exalta" e de algumas músicas contarem com a participação de sambistas, como Arlindo Cruz, Alcione, Diogo Nogueira, Jorge Aragão e o próprio Zeca Pagodinho, a grande maioria das canções do grupo podem ser classificadas como pagode.

 
Então, o que é samba? O que é pagode? No início do século XX, os escravos africanos trouxeram para o Brasil, mas precisamente para o Rio de Janeiro, um estilo de música e dança de suas terras natais. Deste, com o contato com outros gêneros musicais já populares no Rio, como a polca, o maxixe, o lundu e o xote, nasceu o samba. Do samba surgiram novas vertentes, como o pagode, o samba-canção, o samba de breque, a bossa nova e o samba-rock.

Assim, o pagode pode ser considerado um estilo de samba, criado nas rodas de samba feitas nos "fundos de quintal" cariocas, em meados da década de 1970. O pagode, portanto, é uma nova forma de se fazer samba, uma forma diferente, mas ainda dando samba.
 
Desta forma, podemos concluir que todas as referências musicais antigas e atuais de Zeca Pagodinho são ligadas ao samba e que o grupo Exaltasamba canta pagode. Mas, como o pagode veio do samba e o samba é a origem do pagode, eles se misturam e se complementam. O nome artístico “Pagodinho” e o “samba” do nome Exalta não têm nenhuma justificativa palpável, a não ser a sonoridade. Zeca Sambinha não é tão “malandroso” quanto Zeca Pagodinho e Exaltapagode, com essa cacofonia, talvez não tivesse se tornado esse grande sucesso.

10.12.13

“Quem prova desse brigadeiro quer se lambuzar”
Análise das insinuações sexuais implícitas – ou não – nas músicas do ousado e alegre
 
Ao ouvir as músicas do cantor Thiaguinho, não pude deixar de reparar nas insinuações de atos sexuais teoricamente implícitas presentes nelas. Assistindo aos vídeos, me chamou a atenção também as onomatopeias e a expressão corporal do cantor e a reação do público durante as canções.
 
Partindo do mais implícito ao totalmente explícito, temos a música “O Poder do Pretinho”, da qual separei os versos:
“Todo dia eu não posso
Mas de vez em quando eu te dou assistência”

Esta música apresenta a pérola: "quem prova desse brigadeiro quer se lambuzar" – título desta crítica –, em referência à cor da pele do cantor. Dela ainda provém a complementação: "quem prova do brigadeiro nunca mais quer saber de beijinho". De modo figurado, diz que quem se relaciona com um homem negro descobre "o que é bom" e não se interessa mais por homens de tom de pele mais claro.
 
No trecho destacado, temos o termo "dar assistência", que é um eufemismo popular para o sexo. É como diz o provérbio: "quem não dá assistência, abre concorrência". De modo implícito, então, o sexo é lembrado.
 
Em outra música, “Deixa pra Mim”, Thiaguinho canta:
“Vou te ensinar a tirar minha roupa
Vou te deixar louca
Te fazer mulher”

Bem mais explícito, o eu-lírico diz para a mulher mentir para o namorado/marido, para contar que vai ao salão de beleza e, ao invés disso, ficar com ele. Depois, insinua ainda mais o ato, falando em tirar a roupa e deixar a mulher louca. Neste vídeo, os movimentos do cantor ajudam na sedução da plateia.
 
Desta vez nada subentendido, as referências sexuais da canção “Deite que vou lhe usar” começam no título. Em homenagem ao bordão do Coronel Jesuíno, personagem de José Wilker que caiu no gosto popular, na minissérie Gabriela, a música traz a seguinte estrofe:
“Quero a noite inteira sem cansar
Deite que eu vou lhe usar
Fazer aquele amor gostoso”

Falando em deixar louco, o cantor relembra a noite anterior, chamando-a de "furacão de amor". Depois, explicitamente fala para a menina deitar, onde quer que seja, que ele irá lhe usar, isto é, "fazer aquele amor gostoso", conclui.

Outra música em que o sexo é percebido logo no título é a “Motel”. Nesta, não há nada subentendido ou nas entrelinhas. Tudo é dito de forma clara, como podemos perceber nos versos:
“Vamos extravasar no motel
Beijar no motel
Se amar no motel
[...]
Contigo queria ir pro motel
Te beijar todinha até entrar no céu”

A música se inicia com ele descrevendo uma menina numa boate, como ela aparenta e como está agindo. A partir daí, conta como vai ocorrendo o encontro entre os dois, até o interesse de ir para o motel. Entremeado em frases perdidas e melódicas, o cantor narra essa ida deles ao motel e tudo que ele faz com ela até chegar ao “seu céu”.

Porém, em minha opinião, a música que melhor representa esta análise é a “Fugidinha”, do Exaltasamba:
“O jeito é dar uma fugidinha com você
O jeito é dar uma fugida com você”

Esta canção traz a insinuação sexual de forma óbvia, mas complemente subentendida. As crianças e as pessoas com mente pura, diferente de grande parte da população – eu me incluo nesse meio “poluído” – podem não perceber a troca de palavras com sonoridades bastante parecidas. É por razão desse jogo de palavras que a música se tornou um sucesso e é ouvida em qualquer lugar, por qualquer público. Entretanto, se você ainda não percebeu a “maldade” presente, basta ouvir alguém cantar da forma errada – ou seria certa? – uma única vez e nunca mais conseguirá cantar diferente.

O que se pode concluir dessa análise é que o pagode não é diferente do axé (“tudo que é perfeito a gente pega pelo braço / joga ela no meio / mete em cima / mete embaixo / depois de nove meses / você vê o resultado”), do funk (“eu vou cortar você na mão / vou mostrar que sou tigrão / vou te dar muita pressão / então martela, martela / martela o martelão”) e de tantos outros ritmos genuinamente brasileiros quando o assunto é passar uma mensagem sexual sublinhar. Há quem critique e condene. Eu acho que isso não desmerece a nossa música, ao contrário, como é um movimento recorrente, deve ser compreendido. Talvez seja exatamente esse o segredo do sucesso da nossa nova música popular.

3.12.13


“Senhoras e senhores, o poder chegou”
Análise da minha vida através de uma perspectiva musical

Nasci em 1992 em uma família culturalmente muito rica. Sempre acordava ao som da vitrola dos meus pais tocando Chico, Bethânia, Roberto, Lulu. Vinis dos Beatles e da Carole King também não faltaram. Djavan e Milton com suas letras inconfundíveis também. Aí veio a era Caetano. Acompanhei e ainda acompanho minha mãe em diversos shows, temos todos os CD’s e hoje posso dizer que aprendi a admirá-lo. Sua irmã, Bethânia, é um caso um pouco diferente: sempre vou aos shows, ouço suas músicas no carro quando estou com minha mãe, sei suas letras, curto as músicas, mas quando ela começa a declamar...

Com minha irmã mais velha veio o contato com outros artistas internacionais contemporâneos. Porém, antes disso, ainda durante a década de 1990, fomos bombardeadas com o axé baiano. Ele nos dominou. Compadre Washington, Beto Jamaica, Carla Perez, as Sheilas loira e morena e Jacaré nos fizeram rebolar muito na frente da televisão vendo Domingão do Faustão. Em algum Natal, ganhamos de presente do Papai Noel – isso antes de minha querida irmã destruir o meu encanto natalino – o bambolê colorido do É o Tchan. Nosso requebrado, com a aquisição do bambolê do É o Tchan, evoluiu a olhos vistos.

Atualmente, se você questionar minha irmã sobre axé, ela dirá que não gosta. Que nunca gostou. Descer na boquinha da garrafa? Nunca. Passar por debaixo da cordinha? Jamais. Mas a presença de dois bambolês na casa não a deixa mentir.

Então, depois da fase axé, veio a internacional e, com ela, a negação das músicas brasileiras mais “populares”. Axé, pagode, samba, funk, pop nacional não tocavam no meu CD player. Quando descobri que podia baixar músicas e gravar meus próprios CD’s foi uma maravilha.

Eu e minha irmã fomos viciadas em alguns cantores e bandas, cada um a seu tempo, sem algum motivo específico. Primeiro veio Freddie Mercury. Certo dia, reparamos que apareceu um DVD do Queen aqui em casa – digo apareceu porque não me lembro de onde surgiu, se alguém comprou/ganhou ou ele apenas se materializou divamente na nossa estante. Era a gravação de um show. Sou capaz de reproduzir as dancinhas que Freddie faz com o microfone até hoje.

Depois veio a magia sueca: ABBA. Suas roupas e coreografias nada coreografadas foram motivo de muita piada e imitação por aqui. Por último, mas não menos importante, a diva das pernas invejadas Tina Turner. Private Dancer, mais especificamente. O clipe é sensacional, vale a pena quase decupá-lo de tanto sentido que tem.

Mas, como o foco deste blog é o pagode, vamos a ele e ao presente. Há pouco tempo fui apresentada, por uma amiga, ao Exaltasamba, um pouquinho antes de eles se separarem. No início, tive preconceito, confesso. Não foi fácil assumir que estava começando a curtir pagode, nunca fez parte da minha criação. Como justificar assim, de uma hora para outra? Não sei, mas o carisma e a alegria de Thiaguinho, Péricles e companhia foram me fazendo ceder e ouvir. Coincidiu de o Thiaguinho partir para carreira solo e lançar o CD Ousadia & Alegria e eu passar a procurar, por conta própria, as músicas, as letras, os vídeos. E gostar, cada vez mais. Decorar as letras veio como consequência. Inclusive, o título desse texto é da música Motel. “Fala meu nome. Thiaguinho!” já é de praxe.

Dizer que gosto de pagode, que é um dos meus ritmos musicais preferidos ou que expandi meus horizontes para outros pagodeiros seria mentira, um exagero. Eu respeito o pagode. Mas gosto do Thiaguinho. E do extinto Exalta.

O próximo passo será ir a um show. A vontade existe, olha que grande avanço! Vou desenvolver meu pensamento sobre isso, até que haja um show do Thiaguinho por perto, aí, quem sabe...